SINAIS DE VIDA
RECORDAÇÕES DE UM SOLDADO NO MATO DO QUIENDE/ANGOLA 72/74
O meu menino.
Tinha-me deitado tarde, (os dias eram longos em Africa) mal tinha adormecido ainda, quando fui acordado por um dos meus colegas…tens de vir já á “Sanzala” que uma mulher esta prestes a “parir” e não conseguem tirar o bebé!
…Apenas tinha assistido a um Parto e foi devido á minha curiosidade quando uma prima teve a sua primeira filha e me pediu para lhe arranjar um Obstetra para a seguir na Gravidez, o meu “castigo” foi jurar que quando a criança nascesse eu assistisse ao “Parto”.
O Dr. Santos Jorge estava longe de imaginar que aquela aula a que me obrigou a assistir, iria ser importante para um dia salvar uma vida. Eu tinha 19 anos.
Cheguei á “cubata”e vi a mulher deitada numa esteira, no chão, agarrada por meia dúzia de outras mulheres, fazendo um esforço para expelir do seu ventre o seu filho que teimava em não querer vir a este Mundo (ele tinha razões para isso).
Pedi água morna e com uma toalha torcida limpei-lhe o rosto que teve o condão de a acalmar um pouco, procurei posicionar-lhe o corpo para que conseguisse penetrar com as mãos no seu ventre o que com alguma calma, aparente, consegui.
As minhas mãos encharcadas de sangue retiraram aquele lindo bebé que ainda hoje tenho gravado na memória e na alma.
É que passadas algumas horas a parturiente teve necessidade de ser evacuada de Urgência para S.Salvador do Congo onde lhe foi detectada uma hemorragia interna que lhe viria a ser fatal.
Senti-me muito mal…
Na verdade e segundo o relatório do Médico legista não seria possível detectar aquela situação nas condições em que ocorreu o Parto, mas isso não me serviu de consolo.
Foi feito um inquérito para averiguações e ficou escrito que se não fosse feito na hora o que foi feito, não só morria a mãe como também a criança.
Recusei um louvor que constaria na minha caderneta militar e que me daria uma promoção, mas não foi essa a minha motivação quando fui chamado para fazer o que fiz.
Na realidade salvei uma vida, mas perdi outra.
Via o Salvador todos os dias. Enquanto permaneci no Quiede, nada faltou aquele menino.
Ainda pensei seriamente em adopta-lo mas não me permitiram.
Carrego até ao fim da vida o peso de, se calhar não ter feito tudo ao meu alcance, mas estávamos em 1974 e a situação Politica estava ao rubro nos dois Países.
Uma coisa é certa. O que quer que tenha acontecido ao Salvador, não o retirou do meu pensamento e da minha memória.
Estejas onde estiveres meu menino, no meu pensamento, estarás de certeza.
Até sempre SALVADOR JOSE.
José Lessa
Obrigado pelo testemunho.
Este texto é o testemunho do amigo José Lessa do seu tempo vivido como enfermeiro,em Angola na vida Militar,e como a vida de todos nós é importante,e temos de dar graças por a mesma. Viva a vida na sua planitude da palavra,para isso temos um ser senão seriamos animais,e até esses tem coração e amam os seus filhos