Palavras de Torga
Devo muito aos pés e aos olhos. Sem ajuda deles nem a alma estaria tão cheia, nem teriam surgido os livros onde tento esvaziá-la. A pisar incansavelmente o pó dos caminhos e a perscrutar sem desfalecimentos todos os horizontes, pude entesoirar emoções que nunca conseguirei esgotar, por mais consumo que lhes dê. Os homens ensinaram-me a pensar e a discernir; mas as coisas revelaram-me a beleza dos mistérios sem explicação.
Diante de uma seara a ondular,dum sobreiro descascado,dum esteval florido,sinto que a vida é mais larga do que um silogismo e mais bela do que um verso bem medido.
A atravessar fronteiras,de nações ou de freguesias,pude advinhar uma fraternidade futura,solidária e feliz no descampado universal. Li centenas de livros,e continuo a ler.Mas é na cartilha da natureza que aprendo o que à minha inquietação mais importa.Hoje,por exemplo,descobri que a paisagem alentejana é laica.
Ferreira do Alentejo
Miguel Torga